Há buracos destapados em mim. Buracos profundos e vazios. Tenho impulsos de querer tapar cada uma dessas faltas.
E eu, mesmo que ainda tenha um curto percurso de vida, sinto que há pedaços de mim flutuando em outras pessoas. E tem pedaços de outros em mim, mas não os têm tamanho exato das partes que me faltam. As chegadas me marcaram, mas as partidas me mudaram. Além de ser feita das minhas versões do passado, sou também cicatriz de cada um que eu tenha amado.
Tenho sentido que as perdas, talvez, sejam uma forma da vida barganhar comigo. Porque todas as vezes que peço algo com muito afinco, ela, decididamente, fica com algo que é meu. E eu que saio ganhando, também saio perdendo. E, sendo assim, coleciono vãos que se formam em mim.
Meus buracos são vazios escondidos. São sentimentos inacessíveis e por isso não podem ser preenchidos. Mas, apesar de inabitado, há tanta profundidade em nós que as vozes do silêncio são ecoadas aqui. Posso ouvir retumbar quando uma pessoa me estende a mão. Quando me quer o bem. Quando alguém me abraça mesmo sabendo que dentro de mim é organizado até certo lugar, mas a partir de determinado espaço é tudo bagunçado. E posso, também, ouvir reverberar, profundamente, os sons daquilo que pode ser letal.
Mas as minhas ausências que se fazem presentes em mim são também quem eu sou. São, talvez, a parte que abriga meus cacos. São as decepções das minhas próprias expectativas e decisões. São quem faz eu avaliar os convites que, eventualmente, recebo para que alguém possa entrar na história que tenho narrado. São quem cavaram trincheiras em minha alma para que eu também me defenda. Minhas ausências são os finais dos ciclos que guardam em si tudo o que poderiam ter sido, mas que precisaram ser encerrados.
Eu queria poder consertá-los, mas, toda vez que tento tapar os meus buracos, me sinto sufocada. Eu queria poder retirá-los, mas, no final de cada partida, são eles quem ficam. Meus vazios são, paradoxalmente, meus avisos constantes dos lugares pelos quais eu não quero nunca mais voltar. Não existe um jeito de evitar a dor, mas não há como quebrar duas vezes algo que já tenha se estilhaçado. Se as minhas faltas são o que mantém meus limites acesos, se os meus vazios significam adquirir repertório emocional e se os meus buracos são porque corri o risco de ter cada uma dessas almas pelo tempo devido e de vê-las se despedir quando conveniente, então, posso aceitar o ato de rebeldia e ter a coragem de ser completa mesmo que eu não seja inteira.
Raquel Rutinha